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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Capítulo 7: dezembro, 2007

Por toda sua vida estudantil, Ana nunca fez amigos de verdade. Sempre falou com um aqui ou ali, mas nunca passava disso. Era o dia da sua formatura. O pai não poderia comparecer por conta do trabalho. Ela não tinha um par, nem um amigo, nem uma amiga, nem uma mãe... Mas ela foi. Depois de se arrumar sozinha em casa. Seu vestido era simples, maquiagem pouca, cabelo discreto, meia calça branca, sapatilha. Como tinha costume de tirar foto dos pés (ou mãos), tirou uma para guardar de recordação daquele dia, na mesma hora em que tempestade passava acarinhando-se em sua perna esquerda. Depois disso ela foi. E então se vê na frente da porta de entrada da quadra da escola,  pensa: "mas o que é que eu estou fazendo aqui?" e entra.
Todo mundo tão feliz. E ela ali, lembrando do beija-flor que entrara na cozinha de sua casa na hora do almoço.
Passou a noite toda sentada no banco do lado da mesa de comida. Beliscava algo uma hora ou outra. Até que um dos garotos mais populares da turma lhe aparece e convida-a para dançar.
   -Não, Albert. Obrigada.
   -Ana, deixe de ser assim. Te perturbei a vida inteira, tentei ficar contigo algumas vezes só para ter mais uma na minha lista, só para dizer "já peguei até a garota mais estranha da turma" e eu sei que você sabe muito bem disso. É uma das poucas garotas inteligentes da nossa classe. Mas, cara, já passou agora, terminamos o colégio e depois de hoje provavelmente não nos veremos mais. Não estou te pedindo um beijo ou te convidando para ir à minha cama, só quero dançar com você. É a despedida da turma... E aí?
   -Obrigada por me chamar de inteligente. Mas, não. Você é um cara legal, apesar de ser um idiota. Tem 21 garotas na nossa turma, vá atrás de outra para dançar com você, não vai ser difícil de encontrar. Eu garanto.
   -Hunf. Tudo bem, tudo bem. Olha, vou sentir sua falta.
   -Falta de ter alguém para chamar de dálmata sardento, cabelo de água de salsicha, lunática...
   -Exatamente. - respondeu ele rindo.
E ela também rindo, disse: logo vais encontrar outra pessoa para encher o saco.
   -Não como você que apenas revirava os olhos e virava as costas.
   -Ok, Albert. Vá procurar alguém para dançar.
E ele foi, se juntou com os outros colegas de turma que celebravam no meio da quadra dançando e cantando juntos a música que tocava. Ana sentou-se novamente ao banco, depois de encher um copo com salada de frutas e começou a observar seus colegas. Conversando consigo mesma mentalmente, traçando o perfil de cada um.
   -Camila. Diz que seus cabelos são lisos e loiros naturais sendo que todos se lembram dela criança com os cabelos castanhos e encaracolados. Fútil. Não quer saber de mais nada além da próxima cor do esmalte que vai pintar as unhas.
"Dourado queen ou vermelho biscate?" seu eterno dilema. Vai casar com um velho rico e ser feliz para sempre.
   Nadine. Se soltasse os cabelos e tirasse esses óculos, seria uma das garotas mais cortejadas do colégio. É inteligente, mas só pensa em ficar rica à qualquer custo. Talvez ela fique...
   Ize. A depressiva. Sempre foi aquela que levava o grupo nas costas quando tinha trabalho em equipe. Tirava as notas mais altas de toda a turma, mas quase nunca se via um sorriso naquele rosto. Hoje ela está sorrindo. Significa alguma coisa?...
   Fabrício, hum... fofo, porém ignorante. Nunca quis saber de estudar. Só sabe ouvir música, fumar seu baseado e fazer tudo o que o Albert manda. Provavelmente trabalhará na empresa de seu pai e vai acabar como um velho milhonário e sozinho.
   Albert. O otário da turma. O garanhão. Pega até as professoras. Não estuda nada e só tira notas boas. Será por causa dos esquemas com as professoras ou será que ele esconde uma cabeça inteligente por trás dessa reputação estúpida? Sim, ele esconde. Me lembro bem da vez que o flagrei escondido no banheiro dos funcionários lendo um livro sobre a vida de Nelson Mandela. "Albert? Mas o que você está fazendo? Vai usar uma folha deste livro para bolar seu baseado ou o que?" "An... Ana! Eu estou... estou... Ah, droga! Eu estou lendo, ok? Eu gosto de ler, e essas coisas sobre politica me interessam. Mas não conte para ninguém, por favor. O que eles vão pensar do cara popular que diz que ler é só para idiotas?" Mas que diabos de ser humano prefere ter imagem de idiota do que de um cara intelectual? Por deus! Quem sabe ele tenha um futuro promissor...
   Fernanda. Ok, me sinto promiscua só de pensar nessa garota. Seu megahair de cabelo de loiro-xuxa até a bunda jogado pro lado esfrega sua personalidade na cara de qualquer desconhecido. Se é que existe uma personalidade ali dentro. Faz e compra tudo que está na moda, e com o passar do tempo as pernas engrossam e as roupas diminuem. Pensa que Nova York é um país da Europa e que Che Guevara era uma marca de camisetas. Versão feminina do Albert, só que com um cérebro de ovo de codorna. Quem sabe um dia ela acorde para a vida.
   Augusto... Eu casaria com ele. Bonito por fora e por dentro. Cheiroso. Inteligente. Tímido. Cavalheiro. Pena que ele goste de meninos. -pena para mim que sempre tive uma quedinha por ele- Será um dos poucos daqui que terá um bom futuro.
   Luisa. Eu também casaria com ela, se eu fosse um garoto, claro. Acho que é a melhor garota que já conheci. Que menina de 17 anos, nos dias de hoje, raspa a cabeça para protestar sobre o tratamento precário de crianças com câncer?
   Roberta. Esse cabelo de macarrão instantâneo me dá náuseas. Assim como a sua vozinha de rato. Sempre se achou melhor que todo mundo. E certo, não gosto de guardar mágoas e tudo mais, mas nunca vou esquecer de quando ela deixou seu iogurte cair "acidentalmente" sobre minha cabeça na hora do intervalo só para que todos rissem de mim.
   Conrado... é encantador. Mas mais estranho do que todos os outros estranhos da sala. Sempre foi amigo de todo mundo, mas nunca ninguém soube da sua vida pessoal. Talvez ele vire um serial killer mais tarde -se já não for um.
   Hum... olha como estão felizes. Nem parecem que se odiaram nas manhãs de todos esses anos.
Como ótima observadora que sempre foi, Ana nota que Ize sobe sozinha as escadas da arquibancada. Com as mãos na cabeça, olhando para baixo. "Será que ela vai gritar algum aviso lá de cima?" Elas nunca foram amigas, nem mesmo próximas. Mas de certa forma, Ana se identificava com ela.
   -IZE! -gritou Ana de longe desesperada ao ver a colega de classe se jogar do quadragésimo nono degrau da arquibancada em direção ao jardim de pedras ali do lado.
Cria-se um tumúlto imediato. A música pára. O amontoado de vozes atordoadas é rápido. A festa acabou com aquele acontecimento. A vida colegial daqueles estudantes acabara ali com aquele desfecho trágico que nunca lhes sairá da memória. A menina que nunca conseguiu a atenção nem se quer de uma mosca, dera um jeito de consegui-la de todos, ao mesmo tempo e da pior maneira possível.
Naquela noite, Ana sonhou com uma chuva de meteóros.

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