Páginas

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Capítulo 5: fevereiro, 2000

Ludmila tinha 29, em maio faria 30. Como já foi dito em capítulos anteriores, era uma mãe um tanto impaciente, ocupada, estressada, o que não impedia Ana de amá-la. 19 de fevereiro de 2000. Era uma linda manhã, Com pássaros cantarolando sobre as árvores e tudo mais. Era dia de folga para Ludmila, as aulas de Ana ainda não haviam começado, e Sebastião estava para o trabalho. Apenas mãe e filha em casa.
   -Vou na padaria, filha. Vai querer alguma coisa?
Ana estranhava quando a mãe não estava estressada. Mas preferia não ficar pensando a respeito e apenas aproveitar esses raros momentos.
   -Batata! -disse feliz, a pequena infectada.
   -Do moço de bigodes?
   -SIM! -respondeu ela, mais feliz ainda.
   -Então tudo bem. Não abra a porta para nenhum desconhecido, não demoro.
Ludmila pegava o dinheiro quando a filha lhe surpreendeu:
   -Mamãe! Me dê um abraço?
   -Oh. Claro, meu amor. -respondeu Ludmila abrindo os braços para a filha.
Aquele abraço. Ana sentiu como se nunca tivesse recebido um abraço da mãe como aquele. E estava certa. Durou quase um minuto. Minuto que, falado, parece tão pouco, mas executado dentro de um abraço parece tão muito. Era um momento inédito por três motivos: A mãe estava carinhosa e não estressada, como de costume. A mãe abraçava a filha de um jeito único que nunca havia feito antes. A mãe nunca -nunca, vale ressaltar- houvera feito uma viagem ao mundo paralelo do espaço inexplorado do universo com a filha, e naquele momento ela fez.
Terminado aquele minuto, a mãe da um beijo na testa da filha e pergunta se ela deseja ir dar um passeio no pedalinho da praça de perto do trabalho do pai depois que voltasse da padaria. Ana explodindo de felicidade aceitou o convite sem medir esforços. E a mãe sai.
Ana se senta no sofá da sala, liga a tv, muda para o canal que passava seu desenho favorito e espera.
Espera.
Espera...
   -Será que não tinha batata na padaria e mamãe teve de ir no mercado mais longe? Ela disse que não ia demorar! -conversava consigo mesma.
E continuou a esperar.
Esperar...
   -Mas já faz mais de uma hora!
E alguém toca a campainha.
   -Ah, até que enfim!... não, não é ela. Mamãe não tocaria a campainha. Quem será?
A menina olha pela janela. A casa tinha grades no lugar de muros. Então ela vê a dona Antonieta da padaria e pensa "ela não é desconhecida, posso abrir, então." E vai até o portão, sorridente, confusa.
   -Olá, dona Antonieta!
   -Olá, querida. Seu pai está? - disse a senhora com a voz trêmula
   -Não, não. Ele está no trabalho. Estou só com minha mãe, a gente vai passear no pedalinho hoje, ela lhe contou? Aliás, ela não estava com a senhora na padaria? Aonde ela está?
Dona Antonieta não consegue se contêr e se deixa lagrimar.
   -Meu amorzinho, você precisa ser forte.
   -Forte porque?
Àquela altura, Ana não entendia mais nada. Estava confusa, só queria saber aonde estava a mãe.
   -A mamãe não vai poder ir com você ao pedalinho, meu bem.
Tinha 10 anos, mas já era capaz de compreender o que se passava. Começou a ser tomada por um sentimento horrível de angústia e de uma coisa que não tinha nome. Uma coisa parecida com um choque na ponta do dedo. Um choque forte.
Sem saber o que fazer, ela correu para a padaria. "Aonde ela está? Aonde ela está? Minha mãe, aonde está? Aonde..." atordoada ela se intromete multidão a dentro, no meio da rua. Aqueles curiosos todos evaporaram, junto de todo o resto do mundo, quando ela viu a mãe ali, tão inconfortável, deitada naquela piscina de sangue, uma sacola jogada próxima de sua mão esquerda com a batata do moço de bigodes dentro.
O dia continuava lindo. Mas o azul se tornara vermelho. Os pássaros já não cantavam mais. Ana fechava os olhos desejando com todas as suas forças que aquela imagem se apagasse de sua mente.
O pai chega. Ela corre para seus braços e se encolhe naquele abraço que para ela deveria ser infinito.
Naquela noite ela sonhou com um passeio no pedalinho. Ela, sua mãe e seu irmãozinho que não nasceu.



Nenhum comentário:

Postar um comentário