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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Capítulo 4: fevereiro, 2008

Suave brisa de terça à tarde. Aquele banco estava vazio, lhe convidando para se aconchegar ali. Ana frequentava aquela praça desde quando era bebê, com os pais. E sempre sentava naquele banco, de frente para o mar, de frente para o mundo paralelo do espaço inexplorado do universo. A melhor parte de cidade, para ela. Voltava do trabalho, estava comprando um capuccino no Café do seu Pedro quando repentinamente lembrou daquele banco e de quanto tempo não fazia uma viagem ao mundo paralelo do espaço inexplorado do universo. Havia sido uma manhã chuvosa e a tarde estava nublada, fria. Era o tempo ideal para passar alguns momentos lá naquele canto tão dela. Depois de sentar e fixar o olhar no horizonte instável, começou a por seus pensamentos em dia. Como era difícil crescer! Naquele ano ela já faria 18, estava trabalhando e em poucos dias começava a faculdade. Começou a tentar imaginar o futuro. Como seria dali em diante? Ela temia virar uma deles -os adultos. Quão séria e sem graça parecia ser aquele vida... gente grande, coração pequeno, alma pequena. Deveria ser diferente. Mas porque é que ela não podia ser diferente? Aqueles tormentos em forma de pensamento lhe afogavam naquele mar sem nem mesmo estar dentro dele. E ela começava a imaginar, como se estivesse boiando à deriva, apenas com os olhos e nariz acima da água, observando a vida de longe, imperceptível aos olhos nus dos adultos.
Mergulhada nas suposições e dúvidas que lhe preocupavam tanto, seus pensamentos são interrompidos por um vendedor de "fazedor de bolhas", como ela chamava quando era criança.
   -Boa tarde, minha jovem!
   -Ãh... boa tarde.
Ele passara por ela como qualquer vendedor de "fazedor de bolhas" passa por uma pessoa adulta, sem oferecer seu produto.
   -Espere! Moço!
   -Sim?
   -Me veja um fazedor de bolhas desses, por favor.
   -Mas é claro. Qual cor o pequenino gosta mais?
   -Azul! Ahg... desculpe, pequenino...?
   -Sim, não compras para alguma criança? Um irmãozinho, um sobrinho, um filho?
   -Ah -risos-. Não, não, é para mim mesmo.
   -Ah... me perdoe. É que meus clientes costumam ter menos de 10 anos de idade. Bom, está aqui... azul, certo?
   -Certo...
Por alguns instantes, Ana se questionou mentalmente a respeito do que o vendedor acabara de indagar. "Mas será que eu pareço mesmo uma criança? Há algum problema nisso? Há muitos problemas nisso? É ruim? Será que é por isso que ninguém se aproxima de mim? Vou mesmo ser obrigada a crescer? Será que devo dizer 'ah mudei de ideia' e recusar o fazedor de bolhas?" E ele, com o braço estendido esperando que ela pegasse o produto, observava a apreensão da garota.
   -Está tudo bem? -Perguntou o vendedor.
   -Hum... acho melhor eu não ficar com isto. -disse Ana devolvendo o braço do vendedor.
   -E porque não?
   -É coisa de criança. Devo começar a treinar esse negócio de crescer, deixar meus hábitos para trás...
E logo o vendedor percebeu do que se tratava.
   -Ora. Mas não é um fazedor de bolhas que vai lhe impedir de crescer, moça. Crescer não é deixar seus hábitos para trás, e sim apenas acrescentar os que têm de vir, lidar com os fatos, com responsabilidades e saber arcar com as consequências da vida. Não há muito a ver com parar de fazer o que sempre se fez. Veja bem, eu já estou à beira de meus 60 anos, já tive que lidar com perdas, tropeços, traições, decepções... e se tiver de vivenciar tudo isso novamente eu vivenciarei e até hoje passo o dia soltando bolhas por aí, jogo vídeo game com meus netos, cantarolo pelas ruas, corro atrás de borboletas, observo desenhos nas nuvens, como sempre fiz, antes de crescer. E nada disso me impediu de aprender com as coisas da vida.
Parecia que Ana só precisava ouvir aquelas palavras para descongestionar sua mente infectada.
   -Tome. -estendeu novamente a mão com o fazedor de bolhas- este sai por conta da casa. Mas tens de me prometer que vais soltar quantas bolhas foram possíveis até o fim de sua vida. Certo?
   -Certo! -respondeu a menina feliz da vida como quem acaba de ter o coração confortado por um velho desconhecido.
E, sentada em seu banco, soltou bolhas de sabão até anoitecer. Quando voltara para casa, no caminho vinha pensando e lembrando de sua mãe. Era 19 de fevereiro, e faziam 8 anos que ela houvera partido.

Naquela noite ela sonhou com um amor...

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