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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Capítulo 6: Outubro, 1998

Era época de halloween. Haveria uma festa no colégio de Ana, na qual os alunos deveriam ir todos fantasiados. Sebastião chega com a filha e pergunta qual a fantasia que ela vai querer usar.
   -Bruxa, vampira, palhaça... Qual vais querer, meu bem?
   -Eu quero ir de David Bowie, papai!
Ana era simplesmente apaixonada pelo cantor dos anos 70 David Bowie. Fazia o pai comprar todos os vinis e cd's e tinha um quarto com posters do cantor espalhados, enquanto as outras garotas de oito anos da época só tinham adesivos da barbie colados da parede e posters da Xuxa e do É o Tchan.
O pai tenta explicar à menina que não era muito comum se fantasiar de cantor numa festa de halloween da escola. Mas ela, inconformada, questiona:
   -E porque é que eu tenho que fazer só as coisas comuns? É chato. Você e a mamãe sempre me dizendo "não faça isso, não é comum" "não faça aquilo, ninguém costuma fazer" É errado não fazer o comum, pai?
Sebastião sempre ficava de saia justa com os argumentos da filha, e não se contrapôs.
   -Não, meu bem, não é errado fazer o incomum. A questão é que você pode ser incompreendida pelas pessoas quando faz. Mas... tudo bem. Vejamos uma fantasia de David Bowie, então.
   -Eba!
Dona Antonieta, a dona da padaria da esquina da rua e amiga da família, ficou responsável por cuidar da maquiagem de Ana. É chegada a hora da festa e a menina chega na escola e é recebida com os piores olhares pelos alunos. Camila e Fernanda, fantasiadas respectivamente de gatinha e bruxinha, se aproximaram e começaram a diminuir a pequena "Bowie" infectada.
   -Mas que espécie de fantasia é essa, estranha? -Fernanda a questionou com repulsa.
"Estranha", era como os mais colegas de turma costumavam chamar Ana.
   -Estou fantasiada de David Bowie. -Respondeu a pequena sem medo de represálias.
   -E que diabos é isso? -questionou Camila.
   -David Bowie é um cantor inglês dos anos 70 conhecido como o Camaleão do rock...
   -Que chatisse! -Fernanda a interrompe- Você não poderia se fingir de normal pelo menos uma vez na vida e vir com uma fantasia normal que nem as pessoas normais costumam fazer?
   -Sim, eu poderia. Mas eu prefiro não fingir ser quem não sou. Não se preocupe Fernanda, quando eu receber o prêmio de melhor fantasia eu lhe dou alguns chocolates da cesta que vou ganhar.
   -Mas você não vai ganhar! EU vou ganhar! Ponha-se no seu lugar.
E as meninas se afastam resmugando e cochichando, "mas como pode alguém ser tão anormal assim?".
Ana cumprimenta os professores e recebe elogios pela fantasia diferente. E espera ansiosa pela premiação das melhores fantasias. Sentada observando a festa, lembra do que seu pai lhe dissera ao deixá-la na festa: "Não se deixe intimidar pelas rejeições."
E as premiações finalmente começam. Passa quinto lugar, passa quarto lugar, terceiro, segundo... E até então seu nome não havia sido chamado. Na hora do primeiro lugar, o que ninguém, além dela, esperava. "E a vencedora é... Ana Bonassi!" E os queixos caem.
Depois da cerimônia toda, Ana humildemente vai até Fernanda e Camila e lhes oferece alguns chocolates que vieram na cesta de prêmio. Mas elas recusaram, como já era de se esperar.
Junto dos chocolates na cesta veio um "fazedor de bolhas". Ana não ganhava um fazedor de bolhas desde quando seu irmãozinho partiu antes de nascer. Ela foi para à varanda do salão de festas do colégio sem que ninguém notasse e ficou observando as estrelas se miscigenarem com as bolhas de sabão. E dançou as músicas que tocavam lá dentro. No embalo da lua cheia. Comia os chocolates de olhos fechados. Ela estava feliz.
Naquela noite ela sonhou com uma visita de Bowie.

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