Páginas

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Capítulo 3: novembro, 1996 - junho, 1997

-Mãe!
-Diga.
-Sonhei que nós quatro sofriamos um acidente de carro! -disse Ana, sorridente.
-Que isso menina, você fala uma coisa dessas sorrindo? Deveria chorar por ter tido um pesadelo destes! -A mãe de Ana era "normal demais" como a filha a denominava. Estressada, vivia com uma caneta na orelha, cabelo amarrado desatentamente, uma xícara de café e uma calculadora nas mãos. Era contabilista. E sempre se assustava com o jeito da menina e pedia para o pai conversar com ela.- Sebastião! Vem conversar com a tua filha que teve um pesadelo.
-Que se passa? -Sebastião era um pai quase muito legal. Talvez se ele fizesse algumas viagens pelo mundo paralelo do espaço inexplorado do universo como a filha, ele fosse um pai quase muito legal sem o quase. Era "elevadorzeiro", como dizia a menina, há alguns muitos anos, tinha contato e conversava com todo tipo de gente todos os dias e talvez isso tenha o feito não apenas humano, mas um humano quase muito legal-
-Pai, -pula no colo dele ainda sorridente- sonhei que nós quatro sofriamos um acidente de carro!
-Jura minha filha? E como foi? Você sabe que acidentes de carro não são legais, não é? Porque esse sorriso tão bonito ao falar de um sonho feio?
-Sei sim, mas é que o acidente aconteceu depois de um dia muito bonito! Nós quatro passávamos o tempo inteiro juntos e felizes.
-Nós quatro?
-É. Eu, o senhor, a mamãe e o bebê que ela guarda na barriga.
-Bebê? Mas que bebê? Sua mãe está grávida e não me contou? Ludmila você está gravida? Porque sou sempre o último a saber de tudo nesta casa?
-Eu? Grávida? Quem inventou isso? Aposto que foi essa menina que não pára de inventar história! Não sei de onde saiu essa cabeça tão fértil.
-Minha cabeça não saiu da senhora mamãe?
-Ludmila você está ou não está grávida?
-Não tem ninguém grávido aqui, Sebastião! Você cai na conversa de uma criança? Ainda mais na conversa desta criança! Que horas vais entender que não se deve dar ouvidos à Ana? -a mãe sai batendo porta-
Pai e filha se recompõem em silêncio por alguns segundos...
-Papai, minha cabeça saiu de onde?
-Filha... a sua mãe não está guardando nenhum bebê na barriga, foi só um sonho.
-Está sim pai! Eu sei que foi um sonho, mas não foi "só" um sonho. Sonhos são muito mais que apenas sonhos.
-Sim, sonhos são importantes, mas não são reais. Entenda.
O diálogo se estendeu por mais alguns minutos e então o tempo passou. E já era quase janeiro quando Ludmila descobriu que a filha estava certa. Foi motivo de susto e surpresa. Mas por fim todos ficaram felizes com a notícia. A mãe já estava com 3 meses e começou a sentir fortes mal-estares que se tornaram rotina, pois a gravidez era de risco. Os meses voaram o mais devagar possivel e em junho é chegada a hora. Todos vão às pressas para o hospital e Ana não tirava aquele sorriso de novembro do rosto.
Foi a sua primeira visita ao pior pedaço do mundo paralelo do espaço inexplorado do universo, quando  ouviu aquelas palavras sussurradas e choradas vindas de seu pai:
-Seu irmãozinho voltou pro céu antes de poder brincar com você, meu bem.
Naquele dia ela sonhou com o possível fim da lua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário